"Quem não interpreta o que lê, além de fazer alarde daquilo que julga ter assimilado, não entende o que diz."

As Mentiras que as Mulheres Contam

Você já deve ter ouvido aquela frase: "As mulheres não mentem". Seguida do complemento cínico: "Omitem". Mentiras ou omissões, desculpas ou fingimentos, a verdade é que muitas vezes tudo não passa de pretexto para manter aparências, impedir conflitos, evitar mágoas, preservar a estabilidade do relacionamento ou resolver um embaraço de forma civilizada. Afinal, franqueza demais às vezes atrapalha.

A criatividade feminina deixa os homens de boca aberta. Na origem de tudo, está a mãe, com seu "Olha o aviãozinho!" à mesa de almoço. É a mentira inaugural, arquetípica, que ao longo da vida vai se desdobrando em várias outras. Nas 48 histórias deste livro, você verá que são muitas as estratégias, seja nos escritórios ou em casa, nas viagens ou festas. O que só aumenta o fascínio causado por elas.
 Entre as especialistas na arte da dissimulação, aparecem aqui a mulher que inventa um amante para provocar ciumes no marido, a senhora que tenta enganar a si mesma fazendo uma plástica atrás de outra e a moça que mente a idade-para mais!-apenas para ouvir que ainda está nova.
 Mas calma lá. Nem sempre a ideia é disfarçar um caso, planejar uma vingança ou ocultar um segredo. Por vezes são apenas eufemismos, ambiguidades, meias verdades, negativas, desculpas educadas-tudo com o objetivo mais nobre de preservar a harmonia social. E temos que reconhecer: ninguém saberia viver sem essas mentiras perfumadas.
Depois de lançar em 2000 seu best-seller As Mentiras que os Homens Contam, agora é a vez de Luiz Fernando Veríssimo abrir espaço para elas darem o troco. E nesta coletânea de crônicas as mulheres respondem à altura, com dramas, comédias, tragicomédias-e até historias que terminaram em tragédia. as tudo permeado pelo humor irresistível de Veríssimo.

                                                                                                                Rápidas.
Um homem chega num balcão e tenta chamara a atenção da balconista para atendê-lo:
-Senhorita...
-Um minutinho.
O homem vira-se para outro ao seu lado e diz:
-Ih, já vi tudo.
-O que foi?
-Ela disse "um minuto". Quer dizer que vai demorar. No Brasil, um minuto dura sessenta segundos, como em qualquer outro lugar, mas um minutinho pode durar uma hora.
-O homem tenta de novo.
-Senhorita.
-Só um instantinho.
-Ai
-O que foi?
-Ela disse "um instantinho". Um "instantinho" demora mais que um minutinho. Parece que um minutinho é feito de vários instantinhos, mas ao contrário. Um "instantinho" contém vários "minutinhos".
-Só dois segundinhos!
O homem começa a se retirar.
-Aonde é que o senhor vai?
-Ela disse "dois segundinhos". Isso quer dizer que só vai me atender amanhã.

                                                                                Uma ciência.
Decidiram fazer um churrasco para as famílias se conhecerem.
Do lado da Bea havia seu pai, sua mãe, um irmão mais moço e uma tia solteira. Do outro lado do noivo, Carlos Alberto, a mãe viúva, duas irmãs mais velhas, sendo uma com uma namorada, e um irmão com a mulher e os dois filhos menores.
O churrasco seria na casa de Bea, que tinha um pátio grande com churrasqueira, e o Carlos Alberto se prontificou: seria o assador.

Acertaram a logística do encontro.Os donos da casa forneceriam as saladas e a cerveja, os visitantes trariam a carne, a sobremesas e os refrigerantes, inclusive zeros para quem estivesse controlando a glicose. E o assador. Tudo transcorreu bem. Uma das crianças ralou o joelho e, segundo o consenso geral, exagerou um pouco nos gritos para chamar atenção, a tia solteira da Bea bebeu demais e caiu da cadeira, as fora isso tudo bem. Todos se entenderam, se divertiram- a namorada da irmã mais velha de Carlos Alberto tinha um repertório inesgotável de anedotas-e conversaram bastante. Menos o pai de Bea, o seu Vicente, que passou todo o churrasco emburrado. Sem dizer uma palavra.

Naquela noite, Bea perguntou aos pais se tinham gostado do Carlos Alberto. Seu Vicente e dona Nininha se entreolharam.
-Sei não....-disse o seu Vicente.
Bea se surpreendeu. "Sei não" por que?
-Para começar-disse seu Vicente-,ele botou a carne em espeto baixo co fogo ainda alto. Não esperou o carvão virar brasa.
Vi que ia ser desastre quando os salsichões vieram queimados.
-Ora, papai. O...
-Outra coisa, Ele usou salmoura na carne, em vez de sal grosso. Ninguém mais usa salmoura.
A salmoura foi usada e churrasco no Brasil pela última vez na administração do Washington Luiz.
-Papai, você está dando importância demais ao.....
-Tem mais! ele botou a picanha com a gordura para cima. O certo, o clássico, é com a gordura para baixo. E a costela ele botou com o osso pra cima!
-Está bem Papai, Eu prometo que Carlos Alberto nunca mais fará um churrasco para vocês.
Não se trata disto minha filha.
Não se tratava só daquilo. O importante era que aquilo revelava sobre o caráter do assador. Alguém que se apresenta como assador sem ter a minima ideia de como se assa não é apenas pretensioso e irresponsável.
É um estelionatário. Demonstra desonestidade,arrogância e descaso pelos outros.
-O churrasco é uma ciência, minha filha.Não é para qualquer impostor.
-Mas papai....
-E o que ele inventou? Corações de galinha num espeto intercalados com pedaços de abacaxi. Não há hipótese de eu deixar minha filha casar com alguém que intercala corações de galinha com pedaços de abacaxi!
-E as sobremesas não estavam grandes coisa acrescentou dona Nininha.
O casamento foi adiado. Bea disse ao Carlos Alberto que precisava pensar.

Autor; Luis Fernando Verissimo.
Editora; Objetiva.
Gênero: Humor, Crônicas.
Ano; 2015.
Paginas: 174.

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