"Quem não interpreta o que lê, além de fazer alarde daquilo que julga ter assimilado, não entende o que diz."
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Memorial do Convento

Para Descobrir Portugal...
Diz-se que o português Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil no ano de 1500.
A gente vai acreditando porque nesta altura dá muito trabalho impugnar. Mas fica aquela duvida: O Brasil estava perdido? (os piadistas poderão dizer que já estava) Se fomos mesmo descobertos por portugueses, quando é que nós brasileiros vamos retribuir a gentileza descobrindo Portugal? Porque a verdade chocante é que para os brasileiros de hoje Portugal é tão ignoto como eram estas terras para os europeus até fins do século XV.
Isto não é nenhum exagero. Em literatura, por exemplo: quantos escritores portugueses depois de Eça são conhecidos e lidos no Brasil? A contagem talvez não ocupe os cincos dedos de uma mão. No entanto, existem muitos bons escritores em Portugal escrevendo bons livros que só por acaso chegam aqui. De maneira que um brasileiro aventuroso tem muito a descobrir em Portugal no campo da literatura.
Um escritor português que precisa ser descoberto com urgência- não por ele, que vai indo muito bem sem o Brasil, mas por nosso beneficio - é José Saramago.
José Saramago vem publicando livros desde 1966 - poesia, romances, teatro. O primeiro romance a chegar no Brasil foi Levantado do Chão, Duvido que a pessoa que pegar esse livro mesmo distraidamente e der com os olhos na primeira frase não se sinta conquistada pelo estilo de Saramago, e eu não vou transcrever essa frase para não tirar ao leitor o prazer da descoberta.
O livro conta a história da humilde e muito nobre família Mau-Tempo, lavradores do Alentejo, desde tempos muito remotos até a Revolução de 1974. Mas atenção: não é um encadeamento maçante de fatos; é uma história inventada por força e graça de José Saramago. O leitor vai simplesmente se apaixonar por essa família tão sofrida e tão nobre. Quando eu pensava que tão cedo não encontraria outro livro comparável a Levantado do Chão, eis que me chega outro da mesma altíssima categoria, e escrito pelo mesmo Saramago, este Memorial do Convento, publicado em 1982 em Portugal e já na quarta edição e ganhador de de prêmio literário importante.
A pretexto de escrever um livro sobre a história da construção de um convento em Mafra no século XVIII, Saramago inventou uma história outra, na qual entram outras famílias inesquecíveis, a dos Sete Sois e a das Sete Luas, e mais padre Bartolomeu de Gusmão com sua passarola, e o compositor Scarlatti com seu Órgão e sua música, e mais reis e rainhas e princesas, e mais uma pedra descomunal que precisa ser transportada a longa distância, e o que acontece durante o transporte .
O que pretende e que consegue - José Saramago com seus livros? para mim, isto: fazer o que fez Homero antes dele, isto é, escrever histórias aparentemente reais mas inventadas com tanta competência que depois de lidas passam a ser reais e a fazer parte da longa e sofrida experiência humana.
Minha sugestão é, descubram Saramago e façam dele uma possessão ultramarina particular de cada um.
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Editora: Bertrand Brasil
Gênero: Romance
Autor: José Saramago.
Paginas: 347. Ano: 2010.

SARAMAGO. biografia.

José Saramago nasceu na vila de Azinhaga, no concelho da Golegã, de uma família de pais e avós agricultores. A sua vida é passada em grande parte em Lisboa, para onde a família se muda em 1924 – era um menino de apenas dois anos de idade. Dificuldades econômicas impedem-no de entrar na universidade. Demonstra desde cedo interesse pelos estudos e pela cultura, sendo que esta curiosidade perante o Mundo o acompanhou até à morte. Formou-se numa escola técnica. O seu primeiro emprego foi de serralheiro mecânico. Fascinado pelos livros, visitava, à noite, com grande frequência, a Biblioteca Municipal Central — Palácio Galveias.
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Esta é a primeira biografia de um dos escritores mais importantes da história da literatura. Nela podemos acompanhar a vida de José Saramago, desde o seu nascimento na aldeia portuguesa da Azinhaga, Golegã, até a sua mudança para a ilha de Lanzarote, Espanha. E descobrimos toda a sua obra, desde as crônicas de A Capital e do Jornal do Fundão, até seu mais recente livro. Caim.

Saramago passou a se dedicar definitivamente à escrita ficcional aos 53 anos e, em 1980, lança Levantando do Chão. Com esse romance, surge o que viria a ser conhecido como "estilo saramaguiano": o narrador "oraliza" a escrita como se estivesse de viva voz, como numa roda de amigos, e desrespeita ostensivamente as regras sintáticas e a pontuação. Mas é o romance Memorial do Convento, de 1982, que o consagra definitivamente.

Em 1982, ao vetar a candidatura de O Evangelho Segundo Jesus Cristo ao Prêmio Literário Europeu, um obscuro subsecretário de Estado da Cultura do governo Cavaco Silva desencadearia uma onda de contestação a qualquer censura a criação artística e contribuiria para a decisão do escritor de ir viver na ilha espanhola de Lazarote, nas Canárias, com sua mulher Pilar Del Rio, com quem havia casado em 1988.

Em outubro de 1998, Saramago ganha o Prêmio Nobel de Literatura, tornando-se o primeiro e único escritor de Língua Portuguesa a obter tal distinção.

Mais de uma década depois, Saramago continua a escrever e a gerar polêmica. Exemplo disso é Caim, o seu ultimo romance.

Ensaio sobre a cegueira a Ensaio sobre a Lucidez.

Nós ainda somos descendentes do iluminismo, da Enciclopédia, dos valores da revolução Francesa, que durante dois séculos foram referências, Acabamos de atravessar uma ponte e na margem já não há lugares duradouros. Isto não é fatalismo e nada se processa em linha reta: ao mesmo tempo que isto acontece sente-se uma necessidade de voltar atrás, uma insatisfação, sobretudo dos jovens, perante um Mundo que já não oferece nada, só vende.


Obras de José Saramago:1

Terra do Pecado. 1947.
Poemas Possíveis. 1966.
Provavelmente Alegria. 1970.
Deste mundo e do outro. 1971.
A bagagem do viajante. 1973.
As opiniões que DL, teve. 1974.
O ano de 1993. 1975.
Os apontamentos. 1976.
Manual de pintura e caligrafia. 1977.
Objeto quase.1978.

1. Mencionado apenas as obras principais. Fogem do escopo desta obra os múltiplos materiais que José Saramago publicou em revistas, jornais e outros lugares sob forma de contos. poemas, artigos de opinião e ensaios. 

A noite. 1979.
Levantando do chão. 1980.
Que farei com este livro? 1980.
Viagem a Portugal. 1981.
Memorial do convento. 1982.
O ano da morte de Ricardo Reis. 1984.
A jangada de pedra. 1986.
A segunda vida de Francisco de Assis. 1987.
História do Cerco de Lisboa. 1989.
*O Evangelho Segundo Jesus Cristo. 1991.
In Nomine Dei. 1993.
Cadernos de Lanzarote. Diário. 1. 1994.
*Ensaio Sobre a cegueira. 1995.
Cadernos de Lanzarote. Diário. 2. 1995.
Cadernos de Lanzarote. Diário. 3. 1996.
Todos os Nomes. 1997.
Cadernos de Lanzarote. Diário. 4. 1997.
Cadernos de Lanzarote. Diário. 5. 1998.
Folhas políticas (1976-1998). 1999.
Discursos de Estocolmo. 1999.
*A Caverna. 2000. 
O homem duplicado. 2002.
*Ensaio sobre a Lucidez. 2004.
Don Giovanni ou o dissoluto absolvido. 2005.
As intermitências da morte. 2005.
As pequenas memórias. 2006.
A viagem do elefante. 2008.
Caim. 2009.

" Olho de cima da ribanceira a corrente que mal se move, a água quase estagnada, e absurdamente imagino que tudo voltaria a ser o que foi se nela pudesse voltar a mergulhar a minha nudez da infância, se pudesse retomar nas mãos que tenho hoje a longa e húmida vara ou os sonoros remos de antanho, impelir, sobre a lisa pele da água, o barco rústico que conduziu até às fronteiras do sonhos um certo ser que flui e deixei encalhado algures no tempo."
 
As pequenas memórias.

José de Sousa Saramago foi um escritor, argumentista, teatrólogo, ensaísta, jornalista, dramaturgo, contista, romancista e poeta português. Foi galardoado com o Nobel de Literatura de 1998.

16 de novembro de 1922.
18 de junho de 2010.

Autor: João Marques Lopes.
Editora: Leya.
Gênero: Biografia. 
Ano: 2010.
Paginas: 246.

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O Evangelho Segundo Jesus Cristo.

"O filho de José e de Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo de sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo." Todos conhecem a história do filho de José e Maria, mas nesta narrativa ela ganha tanta beleza e tanta pungência que é como se estivesse sendo contada pela primeira vez. Nas palavras de José Paulo Paes: "Interessado menos na onipotência do divino que na frágil mas tenaz resistência do humano, a arte magistral de Saramago excele no dar corpo às preliminares e à culminância do drama da Paixão".


Que se estenda o tapete vermelho da literatura, está a passar por aqui a resenha de uma obra de um destes mestres imortais dos compêndios literários. 
Se O evangelho segundo Jesus Cristo fosse escrito por qualquer outro autor seria chover no molhado, afinal esta é com certeza uma das histórias mais conhecidas da marcha desgrenhada da humanidade. Mas Saramago tem no seu estilo, uma forma especial de contar histórias, narra acontecimentos com muita paixão e sensibilidade, o que me leva a acreditar que é nestes campos que se separam osgrandes dos pequenos.
A proposta do tão contestado livro é apresentar um Jesus mais humano e possível, o que causou e causa até hoje espanto, pois tal ato veio de um ateu declarado. Esta posição fica explícita neste trecho:
"O filho de José e de Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo do sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo". (Pág. 65).
Um fato interessante do livro é a pesquisa histórica e social que fica evidente em vários fragmentos do texto, por exemplo:
"Não tinha precisado Maria de pedir licença ao marido de viva voz, ele quem lho permitiu ou ordenou com um aceno de cabeça, que já se sabem serem supérfluas as palavras nestes tempos em que um simples gesto basta para matar ou deixar viver, como nos jogos do circo se move o polegar dos césares, apontando para baixo ou para cima". (Pág. 22).
Há de se destacar aqui o cuidado que Saramago teve ao falar de Deus, em nenhum momento teve por objetivo agredir a fé de alguém, tanto que o li tranquilamente, mas construiu cada diálogo do ser supremo carregando de ironia quanto à forma que as pessoas creem cegamente. Mas ele critica várias outras crenças comuns, como o destino neste trecho:
"Em algum lugar do infinito, ou infinitamente o preenchendo, Deus faz avançar e recuar as peças doutros jogos que joga, é demasiado cedo para preocupar-se com este, agora só tem de deixar que os acontecimentos sigam naturalmente o seu curso, apenas uma vez ou outra dará com a ponta do dedo mindinho um toque a propósito para que algum acto ou pensamento desgarrados não quebrem a implacável harmonia dos destinos". (Pág. 258).
Enfim, é um livro cheio daquilo que considero a melhor forma de humor, a ironia. Vale a pena ser lido, pensado e até mesmo amado. Sensibilidade e inteligência em mais um livro de Saramago.
Veja mais três citações que gostei do livro:
  1. Deus é tanto mais Deus quanto mais inacessível for… (Pág. 80)
  2. Mas, sendo o pão dos homens aquilo que é, uma mistura de inveja e de malícia, alguma caridade às vezes, onde fermenta um fermento de medo que faz crescer o que é mau e atabafar-se o que é bom, também sucedeu brigarem companhas e companhas, aldeias e aldeias, porque todos queriam ter Jesus só para eles, os outros que se governassem conforme pudesse. (Pág. 273).
  3. …Filho, a ocasião pode sempre criar uma necessidade, mas se a necessidade é forte, terá de ser ela a fazer a ocasião. (Pág. 265).

Autor: José Saramago.
Editora: Companhia de Bolso.
Gênero: Romance Português.
Paginas: 374. Ano: 2005.

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Por desejo do Autor, foi mantida a ortografia vigente em Portugal.









Ensaio Sobre a Lucidez



Em uma eleição regional, surpreendentemente, e sem qualquer sinal prévio de que tal fenômeno pudesse acontecer, a esmagadora maioria da população vota em branco. Ainda não refeitos de tal acontecimento, o poder político convoca novas eleições e o fenômeno repete-se. É o sistema político que está em causa, dizem uns, é a própria democracia que está em causa, dizem outros. É preciso encontrar uma explicação para este fato, é preciso prevenir que tal fenômeno não volte a acontecer; sim, principalmente e antes que tudo, é preciso que tal fenômeno não volte a acontecer. O governo, democraticamente eleito, resolve, tal como se fosse um governo ditatorial, aplicar medidas excepcionais, que encheriam de orgulho qualquer ditador. À lucidez da população, que exerceu um voto de protesto sobre o sistema político de partidos no qual não se revia, responde energicamente o poder político que, desbaratando a porventura pouca lucidez de que ainda dispunha, com um ataque de cegueira que o leva a colocar toda uma cidade em estado de sitio, sem qualquer tipo de proteção policial, com o objetivo de que os cidadãos, com o passar do tempo, se arrependam amargamente da ação que tiveram e que tudo volte rapidamente à normalidade.
Com muitas disputas políticas pelo meio, dentro do poder político, gera-se um impasse que é quebrado pela chegada de uma carta, de um cidadão que denuncia a possível causa de todo aquele estranho fenômeno que foi o voto em branco. Aqui, dá-se a ligação com os personagens do Ensaio sobre a Cegueira, e o romance muda completamente de rumo dando-se o agonizar da cegueira do poder político, que, à vista de um bode expiatório, envida todos os esforços por forma a seguir uma pista que leve aos culpados de toda esta situação, mesmo que estes não existam; mas forçosamente estes terão que existir (nem que sejam inventados), terá que ser responsabilizados e assim o poder político, tal e qual uma vulgar ditadura, para que possa distrair toda uma população do seu suposto inconsciente ato de voto em branco, quer levá-los a crer que foram vítimas de uma cegueira, neste caso uma brancura, da qual, segundo esse mesmo poder, se vão encontrar os culpados e tudo voltará depois à normalidade. Evidentemente, tal como tem sucedido em todas as histórias das ditaduras e dos poderes cegos, o poder é impotente face à marcha inexorável da verdade, ainda que, mesmo em face dos fatos, o poder mantenha, cega e implacavelmente, todos os seus planos de fria execução até ao fim.
O romance tem claramente duas partes: uma de pendor mais global, em que se satiriza toda uma situação de votação anormal, e as suas conseqüências quer em termos sociais quer em termos políticos; e uma segunda, onde o plano de ação passa para uma investigação policial a cargo de três homens, que vai incidir sobre um grupo particular de pessoas, e as suas interações com essas mesmas pessoas, que vai levar a que um dos polícias sofra o mais carismático ataque de lucidez de todos os personagens deste romance, através do qual Saramago vai provar que à conta da lucidez de um só indivíduo se pode alterar completamente o rumo e destinos de toda uma sociedade. Segundo as próprias palavras desse personagem, após o seu ataque de lucidez.

Autor: José Saramago.
Gênero: Romance.
Editora: Companhia das Letras.
Págnas: 325.   Ano: 2004.

Por desejo do Autor, foi mantida a ortografia vigente em Portugal.

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Ensaio Sobre a Cegueira

Um motorista parado no sinal se descobre subitamente cego. É o primeiro caso de uma "treva branca" que logo se espalha incontrolavelmente. Resguardados em quarentena, os cegos se perceberão reduzidos à essência humana, numa verdadeira viagem às trevas.
O Ensaio sobre a cegueira é a fantasia de um autor que nos faz lembrar "a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam". José Saramago nos dá, aqui, uma imagem aterradora e comovente de tempos sombrios, à beira de um novo milênio, impondo-se à companhia dos maiores visionários modernos, como Franz Kafka e Elias Canetti.Cada leitor viverá uma experiência imaginativa única. Num ponto onde se cruzam literatura e sabedoria, José Saramago nos obriga a parar, fechar os olhos e ver. Recuperar a lucidez, resgatar o afeto: essas são as tarefas do escritor e de cada leitor, diante da pressão dos tempos e do que se perdeu: "uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos".
Sobre o autor: José Saramago nasceu em 1922 na próvincia do Ribatejo, Portugal. Filho de agricultores, foi serralheiro, desenhista, funcionário público, tradutor, e jornalista. Romancista, poeta e teatrólogo, em 1998 ganhou o prêmio Nobel de Literatura.

No romance Ensaio sobre a cegueira (1995), de José Saramago, a cegueira descrita é representada através de inúmeras metáforas. Já no início da narrativa as personagens são acometidas pelo chamado "mal branco", impossível de ser diagnosticado como um dos tipos já conhecidos de cegueira. Considerando a cegueira como metáfora, ao longo deste romance Saramago tenta explicar como as pessoas vão se tornando cegas no mundo contemporâneo, como inexplicavelmente ocorreu com o primeiro cego, primeira personagem apresentada na narrativa, que cegou quando conduzia o seu automóvel: de repente a realidade tornou-se indiferenciada à sua volta.

Quando o "primeiro cego" chegou ao consultório do oftalmologista para tentar descobrir uma solução para o seu problema de visão, o médico considerou o caso urgente e passou-o à frente dos demais pacientes que aguardavam pela consulta. Porém, a mãe de um menino que aguardava sua vez não se sensibilizou diante da urgência do paciente inesperado e "...protestou que o direito é o direito, e que ela estava em primeiro lugar, e à espera a mais de uma hora. Os outros doentes apoiaram-na em voz baixa, mas nenhum deles, nem ela própria, acharam prudente insistir na reclamação, não fosse o médico ficar ressentido e depois pagar-se da impertinência fazendo-os esperar ainda mais" (EC: 22).

A pressa e insensibilidade desses pacientes diante de um indivíduo com um problema considerado mais urgente pelo médico talvez seja um primeiro indício apresentado pelo narrador de que a cegueira pode ser provocada pelo distanciamento existente entre os indivíduos nas sociedades modernas. Um distanciamento que leva cada um a observar apenas os seus próprios interesses, interesses tais que só serão limitados pelo cálculo da conveniência: "...na verdade, sentencia o narrador deste romance, ainda está por nascer o primeiro ser humano desprovido daquela segunda pele a que chamamos egoísmo, bem mais dura que a outra, que por qualquer coisa sangra" (EC: 169).

O egoísmo como cegueira é novamente mencionado quando o transeunte que ajuda o primeiro cego a voltar para casa aproveita-se da ocasião para roubar-lhe o automóvel. Mas o narrador não realiza um julgamento apressado da atitude do ladrão, e considera-o um "...simples ladrãozeco de automóveis sem esperança de avanço na carreira, explorado pelos verdadeiros donos do negócio, que esses é que se vão aproveitando das necessidades de quem é pobre" (EC: 25). Pelo visto, o narrador relativiza a importância do crime do roubo para colocar em evidência o seu julgamento sobre os motivos que levam os indivíduos a buscarem os seus interesses por meios escusos: "...No fim das contas, estas ou outras, não é assim tão grande a diferença entre ajudar um cego para depois o roubar e cuidar de uma velhice caduca e tatibitate com o olho posto na herança" (EC: 25).

A Caverna


A caverna é uma história de gente simples: um oleiro, um guarda, duas mulheres e um cão de nome Achado, muito humano. Esses personagens circulam pelo Centro, um gigantesco monumento do consumo onde os moradores usam crachá, são vigiados por câmeras de vídeo e não podem abrir as janelas de casa. É no Centro que trabalha o guarda Marçal. Era para o Centro que seu sogro, o oleiro Cipriano, vendia a louça de barro que fabricava artesanalmente na aldeota em que vive - agora, os clientes do Centro preferem pratos e jarros de plástico. Sem outro ofício na vida, Cipriano perde a razão de viver. E a convite do genro, muda-se para o Centro, essa verdadeira gruta onde milhares de pessoas se divertem, comem e trabalham sem verem a luz do sol e da lua. Enquanto isso, embaixo dos diversos subsolos, os funcionários do Centro descobrem uma estranha caverna. Driblando a vigilância, Cipriano consegue entrar lá dentro. O que descobre é aterrador. Nesta versão moderna do mito da caverna de Platão, José Saramago faz uma apresentação sutil da face cruel do mundo capitalista e tecnológico.

Autor: José Saramago.
Editora: Companhia Das Letras.
Gênero: Romance.
Ano: 2006. Págnas: 350.

Por desejo do autor, foi mantida a ortografia vigente em Portugal.

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