"Quem não interpreta o que lê, além de fazer alarde daquilo que julga ter assimilado, não entende o que diz."
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1964..Golpe Midiático-Civil-Militar.


O golpe de 1964 chega aos seus 50 anos em 2014. O inventário dessa tragédia que abalou o Brasil continua a ser feito. Não foi apenas um golpe militar. Nem somente um golpe civil-militar. É verdade que empresários, governadores e militares atuaram em sintonia. Tem faltado, porém, um elemento no banco dos réus; a mídia. O golpe de 1964 foi midiático-civil-militar. O banco dos réus jamais foi formado. Militares, torturadores, golpistas de todos os naipes e mídia se autoanistiaram. É hora de exumar esses cadáveres guardados em nossos armários. Alguns ainda se exibem em vitrines na condição de paladinos da democracia. Os militares jamais mudaram de versão - teriam agido para salvar o país do comunismo e garantir a 'verdadeira' democracia. Os civis golpistas recorrem, quando saem de um mutismo estratégico, a argumentos semelhantes. A mídia reescreveu a história e a própria história dando-se, aos poucos, um papel heroico de resistência. Houve jornalistas que apoiaram o golpe e resistiram à ditadura. Os grandes jornais, de maneira geral, apoiaram o golpe e a ditadura. Este livro examina o melancólico e lamentável papel da imprensa no parto do regime autoritário implantado no Brasil em 1964. Grandes nomes do jornalismo e da literatura brasileiros cederam ao golpismo. Viram a chegada do caos nas reformas que tentavam arrancar o Brasil do atraso. A imprensa de 1964 atolou-se no mais rasteiro conservadorismo. Cumpriu a triste função de 'cão de guarda' dos interesses das camadas mais reacionárias. Alguns jornalistas fizeram questão de passar recibo reunindo em livro, ainda em 1964, suas impressões. Esta obra completa um ciclo de 'descobrimento'. A pesquisa, sustenta o autor, deve destapar, trazer à tona, revelar.
 Os barões da mídia comportara-se como velhinhas assustadas com medo dos comedores de criancinhas e, em nome dos seus interesses, assustaram velhinhas de carne e osso construindo um imaginário que se tornou, por muito tempo, mais real do que a realidade.

A TV CLOBO, de Roberto Marinho, recebeu ilegalmente, em 1965, 2.838.613,29 de dólares do grupo "Time-Life". O caso foi denunciado e provocou grande polêmica, mas acabou sepultado por decisão monocrática do ditador Costa e Silva, que considerou, contrariando a legislação vigente, a operação legal, normal e perfeitamente compatível com as normas.  
 O esquecimento pode vir com a memória.
Quando não pode apagá-la, deve saturá-la.

"O CLOBO, em 7 de maio de 1984, fazia o balanço de 20 anos de regime militar em seu "julgamento da revolução", co assinatura de Roberto Marinho, dono da Rede Clobo, o homem que mais ganhou com o golpe militar: 'Participamos da revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada". Triunfo do mito, da distorção e da ideologia .    Origens da imprensa golpista.

 Os telegramas de Gordon a Kennedy, agora de domínio público, são um mapa da participação americana na implantação da ditadura militar no Brasil, Num dele lê-se: "O fundamental é organizar as forças políticas e militares para reduzir o seu poder e, em caso extremo, "afasta-lo" o então presidente da época João Goulart. Mandado para o exílio, após o golpe. 
 "O golpe e a ditadura começaram com um bestiário marcado pela bestialidade dos donos do poder."
 Na aspereza  do poder, Jango tinha amadurecido para as reformas de que o Brasil tanto precisava. A estupidez dos donos de jornal e a arrogância dos jornalistas, atolados na ignorância, na ingenuidade ou no conservadorismo, levaram a imprensa a ajudar a depor o homem que tentava arrancar o Brasil do muito que ainda lhe restava de hediondo."
 "A mídia não canta os resistentes e suas tragédias, mas os donos do poder e suas glórias interessadas."
Grande parte da classe média brasileira foi manipulada pela imprensa, pelas elites preocupadas com altos interesses e pela propaganda americana por meio de organismos como IPES e o IBAD. A religiosidade dessas pessoas foi usada para assustá-las co o perigo comunista: homens frios, determinados a tomar a propriedades dos outros, ateus e comedores de criancinhas. A mídia não se envergonhou de levar essa chantagem ao ponto máximo, fazendo crer que o país estava realmente a um passo de tornar-se satélite da União Soviética, A classe  média brasileira serviu de massa de manobra no fervor da Guerra Fria. Os militares golpistas, intoxicados pelos Estados Unidos, também se deixaram queimar nessa fogueira das disputas ideológicas. Em nome de Deus, da família, da pátria e da "liberdade", cometeram as piores arbitrariedades e os maiores crimes. 
  A Lei da Anistia não impede o reconhecimento dos equívocos mais lamentáveis nem os tardios pedidos de desculpas. Os erros crassos nunca prescrevem. Especialmente os cometidos pela mídia por ideologia. Ou por apuração duvidosa. A mídia ainda não pagou pelo que fez.

Sobre o autor:
Juremir Machado da Silva, doutor em Sociologia pela Sorbonner, Paris V, escritor, historiador, radialista e tradutor, é pesquisador 1B do CNPq, coordenador do programa de Pós- Graduação da PUCRS e autor.........


“Escrevi “1964 golpe midiático-civil-militar” para me divertir. Trabalhei como um cão, mas senti prazer. De que trata realmente meu livro? De que como jornalistas e escritores hoje cantados em prosa e verso apoiaram escancaradamente o golpe: Alberto Dines, Carlos Heitor Cony, Antonio Callado, Carlos Drummond de Andrade, Otto Lara Resend, Otto Maria Carpeaux, Rubem Braga e outros. Alguns, como Cony, arrependeram-se ainda na primeira semana de abril. Outros só mudaram depois de 1968 e do AI-5. Alguns permaneceram fiéis ao regime. Os mais espertos, como Alberto Dines, reescreveram-se”.

Autor: Juremir Machado da Silva.
Editora: Editora Sulina.
Gênero: Jornalismo, Golpe milítar.
Ano: 2014.
Paginas: 159.

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História regional da infâmia.

                            A revolução sem mitos

História regional da infâmia é um livro que contesta os mitos que por séculos sustentaram o imaginário acerca da Revolução Farroupilha. Juremir Machado da Silva, romancista,professor universitário,ensaísta, historiador e tradutor, juntamente com uma equipe de dez pesquisadores, se debruçou sobre 15 mil documentos para trazer à luz este minucioso estudo sobre as verdadeiras causas da Guerra dos Farrapos.

 Assim como Jorge Luis Borges em sua História Universal da Infâmia, Juremir tira do pedestal podre da glória, os grandes heróis da Revolução- Bento Gonçalves, David Canabarro, general Neto, Vicente da Fontoura, entre outros- e os devolve ao plano terreno dos mortais, revelando como interesses pessoais corroeram o lema revolucionário de "Liberdade,Igualdade e Humanidade".
O autor também questiona a origem dos recursos financeiros que possibilitaram a Revolução Farroupilha. Por trás dos discursos abolicionistas havia o sistemático financiamento da luta armada com a venda de negros e promessas vazias de liberdade aos cativos que nela lutassem.

Sem receio de tocar em tabus da história gaúcha, Juremir alimenta a discussão sobre uma possível traição na batalha de Porongos, quando grande parte dos negros foi massacrada num ataque surpresa das forças imperiais, sustentando que a batalha não passou de um estratagema para o aniquilamento dos negros revolucionários.
História regional da infâmia revela em detalhes os bastidores dessa revolução de estancieiros gaúchos que, em quase dez anos de luta, contabilizou menos de 3 mil mortos-número que reduz o conflito a uma dimensão infinitamente menor do que aquela ensinada as escolas. A partir da análise da mistificação criada por historiadores que não só incharam a importância da revolta, como também deturbaram suas principais causas e escolheram seus heróis, o autor mostra que a Revolução Farroupilha acabou bem-ao menos para os seus líderes, que foram regiamente indenizados pelos vencedores imperiais.

                                                                                                     Os Editores.

     "Documentos costumam não ter virtudes. Somente verdades incomodas. Quem semeia mitos, se não tomar cuidado, colhe inverdades e revisões tardias."

                                             
                                                    Trecho.
Conta-se que num passado não muito distante grandes homens construíram o Brasil com força das suas mãos, com a energia dos seus ideias e com sangue que aceitaram verter em campos, rios, sertões e matas em nome do futuro e da pátria. Esses homens saíram da história para entrar no mito. Hoje, brilham em livros escolares ou figuram em placas de ruas paradoxalmente esquecidos e sempre lembrados. Quem foram estes homens? o que fizeram? Foram somente heróis? E se tivessem sido também infames personagens de uma época cruenta em que o futuro se fazia a golpes de preconceitos, de lança e de balas de canhão......

Tudo começou sem um fim claro.
  A revolução dos estancieiros teve início em 20 de setembro de 1835, quando os rebeldes tomaram a capital da Província, Porto Alegre. Menos de um ano depois eles a perderiam e, embora a sitiassem demoradamente em outras ocasiões, não mais a retomariam. Porto Alegre se manteve imperial praticamente ao longo de todo o conflito. Talvez por isso as grandes comemorações dos gaúchos, herdeiros dos farroupilhas, a cada 20 de setembro, na mui leal e valorosa Porto Alegre, pareçam fora de lugar, embora as suas ruas abundem em nomes de insurretos rejeitados. Em 1836, os rebeldes perceberam que não iriam muito longe se não engrossassem as suas tropas com a "negrada" que lhes servia de pau para toda obra. E é ai que começa uma história mal contada dentro de uma história excessivamente bem contada, uma narrativa tão perfeita a ponto de ligar todos os fios, mesmos os mais contraditórios, numa fábula sem brecha nem falhas.

" A Farroupilha é um caso único em que a história foi contada pelos vencidos"
       Manoel Pereira. neto de Manoel Congo, um dos negros sobreviventes da batalha de Porongos.

Araripe (1986, p.4) destaca três fases na Revolução Farroupilha: sedição, rebelião e sujeição. Na primeira etapa, militares descontentes deram um golpe, derrubaram o presidente da Província, Fernando Braga, apossaram-se da capital Porto Alegre e prepararam-se para negociar. Na segunda fase, empurrados pelas circunstancias, proclamaram a República e deixaram-se embalar por ideais grandiosos. Deram o passo maior que as pernas. Na terceira fase, asfixiados pelo poderio militar do Barão de Caxias, lutaram por uma paz que parecesse honrosa e fosse antes de tudo, rendosa.

Bento Gonçalves, na ordem do dia 5 de julho de 1841, "considerando a repugnância dos continentalistas para servir na infantaria, por serem excelentes cavaleiros, convida os republicanos para subscreverem escravos na arma da infantaria." Nada mais razoável que os brancos farroupilhas não quererem participar de tão honrosas forças, preferindo ir atrás delas, instalados no trono dos seus cavalos. Como eram valentes e heroicos, algo indiscutível, não era por medo ou excessivo apego à vida que rejeitavam servir na infantaria. Era mesmo por não gostar de andar a pé. Um escravo, porém, não tinha escolha. Caso sobrevivesse, mesmo a pé, poderia sonhar com a liberdade. Era o preço.
Araripe era mais impiedoso. Assim resumiu o talento bélico de Bento Gonçalves: "Sabia mais evitar perigos e preparar surpresas do que vencer batalha campal ...Sempre que travou peleja foi vencido'
 A documentação sobre isso tudo é farta e encontra-se, em boa parte, na famosa Coleção Varela (CV), guardada no arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.

"Documentos roem mitos. É a vingança da verdade."

David Canabarro não só foi negligente e incompetente, foi também  general mais idiota da história, aquele que perdeu a batalha e a guerra por causa de uma vadia e ainda teve de fugir só de cueca. Se assim foi, Canabarro cometeu crime de alta traição (em Porongos). Expôs a vida dos seus homens por falta de disciplina, de capacidade de analise da conjuntura em que se encontrava e, especialmente, por não aceitar os avisos que recebera. Mas, bem entendido, essa é apenas uma explicação machista da história ou mais uma manobra ridícula para tentar evitar que um herói caia do seu pedestal apodrecido.

"A história, como se sabe, costuma ser um romance infame e mal escrito cometidos pelos vencedores" Canudos teve Euclides da Cunha, Aos farroupilhas a sorte reservou Varela, Ferreira Rodrigues e Walter Spalding.

Não se faz um imaginário sem rituais e bens simbólicos. "Que sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra!". Quem poderia imaginar que uma frase dessas, tão modesta e estimulante, foi escrita por um sujeito conhecido como Chiquinho da Vovó? Quanto arroubo nesse afetivo! Musicado por um soldado imperial feito prisioneiro pelos farroupilhas, maestro Joaquim José de Mendanha, o hino rio-grandense também tem a sua polêmica. Na pressa de ser agradável aos novos senhores e de entregar o serviço reclamado, Mendanha teria plagiado uma "valsinha" do velho Strauss, sem chegar a piorá-la muito, nem o contrário, enfim, um trabalhinho bastante limpo.

O grade golpe de marketing dos estancieiros rebelados foi apresentado como universal numa insatisfação particular. Essa ideia só ganhou força passadas algumas décadas do fim da guerra civil que pós o Rio Grande ao Brasil. A década perdida transformou-se em "decênio glorioso", os caudilhos viraram heróis e as derrotas converteram-se em epopeias e vitórias tardias, Julio de Castilhos, estudante de Direito em São Paulo, nos anos 1880, numa carta com valor de marco referencial, alertara para a necessidade de se recuperar e estudar o grande conflito. O positivismo ascendente precisa de um mito fundador. Não se faz uma identidade sem uma fábula. O mito começa a galopar na coxilhas.

A principal causa da Revolução Farroupilha foram os carrapatos. O surto de 1834 abalou o gado dos estancieiros do Rio Grande e provocou uma crise sem precedentes. Esse infortúnio tomaria, a partir de 1835, um tom político e de confronto com o poder central, provocando uma guerra civil, a proclamação de uma república e dez anos de mortandade. Parece uma zombaria, mas é verdade.

Passados mais de 170 anos do fim da Revolução Farroupilha, procuradores do Ministério Público propuseram extinguir o MST por considerar que ele atenta contra o Estado de Direito. Esse tipo paralelo peca por anacronismo, mas não deixa de ser interessante. O MST, a exemplo dos farrapos, entende que os poderes constituídos não são sensíveis às necessidades básicas da gente do campo que representa. Os farrapos, sustentaram a guerra civil contra o poder central durante o "decênio glorioso" por razões semelhantes. Entendiam que o Império era tirânico e insensível aos interesses deles. Queriam pagar menos impostos e ter melhores condições de produção. A diferença é que os farrapos eram fazendeiros. O Brasil era uma monarquia constitucional. Os farrapos atentaram contra o Estado de Direito. Foram processados. Os procuradores do século XXI deviam talvez propor a proibição dos festejos da Evolução Farroupilha pra evitar maus exemplos de insubordinação e rebeldia.

A semana farroupilha, como comemoração oficial do Rio Grande do Sul, foi instituída coincidentemente em dezembro de 1964, oito meses depois de implantada a ditadura militar no Brasil, cujo golpe havia sido retardado em dez anos pelo suicídio do gaúcho Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954. Que sirvam nossas façanhas de modelo...Cuidado, porém com os aspectos!
"Eles podem contar o ouro que um dia deve ser a herança dos seus filhos, mas calcular de infâmia que acompanha esse legado, jamais,jamais!"

"O historiador desmancha prazeres. Cabe-lhe muitas vezes atrapalhar os mais belos sonhos daqueles que têm o poder de fazer sonhar."

Autor: Juremir Machado da Silva.
Editora: L&PM.
Gênero: História. Rio Grande do Sul.
Subtítulo: O destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras(ou como se produzem os imaginários)
Ano: 2014. 4 edição.
Paginas; 343.

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Jango. A vida e a morte no exílio.

Jango, a vida e a morte no exílio é um livro de reconstrução e desconstrução: busca reconstruir o passado para desconstruir mitos. Se tivesse de ser resumido a uma questão,seria: quem foi João Goulart? Um presidente fraco ou um herói reformista no tempo errado, derrubado do poder para que não melhorasse o Brasil “cedo” demais? Com mais cuidado, pode-se dizer que este livro trata mesmo de como foram construídos, com ajudados jornais, o imaginário favorável ao golpe e as narrativas sobre o possível assassinato do presidente deposto em 1964. Como, quando e onde surgiu a tese do assassinato?
A ascensão e a queda de Jango continuam abrindo feridas: o golpe foi articulado pelos Estados Unidos? O Brasil estava mesmo à beira do comunismo em 1964? As marchas da Família com Deus pela Liberdade foram fomentadas e financiadas pelos americanos? O golpe foi planejado minuciosamente com muita antecedência? O estopim da derrubada de Jango foi a reforma agrária? A repressão violenta e despudorada teve início logo depois de 31 de março, com prisões, mortes e tortura? A guerrilha seria apenas uma reação à ditadura? Como agiu a imprensa?
Jango viveu no exílio a dor insidiosa da saudade. Morreu na Argentina sonhando em voltar para casa. Dois uruguaios, Foch Diaz e Ronald Mario Neira Barreiro, surgiram quase do nada para levantar suspeitas sobre as condições da sua morte. O que os liga? Foch sustentou a hipótese da “morte duvidosa”; Neira apresenta-se como “réu confesso” – afirma ter sido agente secreto uruguaio e participado da Operação Escorpião para eliminar Jango por meio de uma ardilosa trocade medicamentos.
Juremir Machado da Silva entrevistou dezenas de pessoas que conviveram com Jango, leu mais de dez mil páginas de documentos, processos, investigações, relatórios de CPIs, sentenças das justiças brasileira, argentina e uruguaia envolvendo o caso Goulart, relatórios do SNI, informes dos serviços de espionagem dos países onde Jango viveu, dossiês secretos e papéis do STF. Teve acesso a cartas inéditas de Jango, foi às prisões de segurança máxima do Rio Grande do Sul conversar com supostos protagonistas dos fatos e pôde vasculhar o livro inédito e os arquivos de Neira Barreiro, figura decisiva da trama em foco.

"Como foram construídos, com ajuda da mídia, o imaginário favorável ao golpe e as narrativas sobre as suspeitas de assassinato do presidente deposto em 1964."

"Fui derrubado porque ia fazer a reforma agrária, fui derrubado com apoio dos Estados Unidos."

"O destino de um homem parece caber numa série de manchetes que, paradoxalmente, turvam o passado, esse passado tingido de negro por homens vestidos de verde, esse passado que adia o futuro num presente."

"Em tempos de repressão, a vida é como um jogo de amarelinha com o inferno por última e decisiva casa."

'A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil. constitui a legenda mais viva da reivindicação do nosso povo, sobre tudo daqueles que lutaram no campo. A reforma agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para sobreviver.
 Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo em que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e andam descalças, porque não têm dinheiro para comprar. Assim a reforma agrária é indispensável não só para aumentar o nível de vida do homem do campo, mas também para dar mais trabalho às industrias e melhor remuneração ao trabalhador urbano."

"A intervenção americana fez o Brasil atravessar um longo túnel escuro e desestruturou a família Goulart, Jango passou a vida correndo em busca do seu passado, oprimido pelo sentimento de culpa, oscilando entre o medo de ter feito algo errado, ou não ter feito o que poderia, a convicção de que agira com grandeza na estreita margem de manobra que lhe sobrara."

"Meu crime, foi ter condicionado o uso da propriedade, o uso da terra, ao bem estar social do povo."

"Ao cair, conforme uma pesquisa do IBOPE, Jango tinha aprovação de 76% da população consultada. Em sete das capitais, ele tinha mais apoio do que rejeição. Oito meses antes do golpe, só 19%  dos consultados achavam o seu governo mau ou péssimo. Por que a imprensa o odiava? Talvez justamente por ser popular."

Os seus decretos reformistas brilham como luminosos revolucionários nos olhos dos simpatizantes encantados e como luzes assustadoras nas mentes da direita em fúria.

Decreto 53,700: datada da fatídica sexta feira 13: "Declara de interesse social para fins de desapropriação as áreas rurais que ladeiam os eixos rodoviários Federais, os leitos das ferrovias nacionais, e as terras beneficiadas ou recuperadas por investimentos exclusivos da União em obras de irrigação, drenagem e açudagem, atualmente inexploradas ou exploradas contrariamente à função social da propriedade, e dá outras providências".

  Decreto 53.701: "Declara de utilidade pública, para fins de desapropriação em favor da Petróleo Brasileiro S.A- PETROBRAS, em caráter de urgência, as ações das companhias permissionárias do refino de petróleo."

Depois do comício da Central do Brasil, a imprensa enlouquece ainda mais contra a corrupção, a baderna, a desordem, a ameaça vermelha; os americanos articulam freneticamente, o adido militar dos Estados Unidos.

"A elite dos torturadores, cuja lista se encontra no mais completo catálogo- "Brasil-Nunca Mais"- do terrorismo estatal instituído no país pelos donos do poder a partir de 1964, contava com 70% de oficiais das Forças Armadas: 64% do Exercito, 6% da Aeronáutica, 8% da Marinha e 15% das polícias militares. Raras vezes a ilustração militar serviu tão bem ao obscurantismo. Como a história é escrita pelos vencedores, o último ato consistia em construir uma narrativa adequada aos propósitos dos terroristas cívicos fardados; transformar Jango num covarde. Fazer da razão uma racionalização."

Jango sente na carne o peso dessa obra. A terrível culpa foi ter tentado tirar o Brasil do passado.

Jango vai morrer sabendo muito e, ainda assim, muito pouco do que virá. Nada saberá de Albernaz, o homem que quebrará os dentes de Dilma Rousseff, militante da VAR-Palmares, ora Vanda, ora Estela, nos seus 23 anos de idade, ela se tornará a primeira mulher presidente da República, esse Albernaz, perdido nos porões mais sujo da história, tendo recebido a bagatela por seus massacres de 58 elogios formais dos seus chefes terroristas pelos mui dignos e valorosos "serviços prestados ao Exército."

 A ditadura revê os orçamentos: o da saúde passa de 4,29% do total em 1966, para 0,99% em 1974, o da educação, despenca de 11,07% para 4,95% no mesmo período. Em contrapartida, os três ministérios militares, ocupados com a Segurança Nacional, abocanham 17,96% dos recursos......

 Autor: Juremir Machado da Silva.
Editora: L&PM Editores.
Gênero: Politica e Governo.
Paginas: 372.
Ano: 2013.

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Getúlio

Um Presidente da República isolado em seu cargo. O cerco da imprensa, em quase unanimidade contrária. Uma elite desconfiada-e-meia deste Presidente. Os Estados Unidos mais desconfiados ainda. Um jornalista odiento. Um grupo de homens em torno do Presidente, não exatamente uns gentlemen, atraídos em parte por cargos e em parte por idéias. Um chefe da guarda fiel e perigoso como um cão. Um tiro no jornalista, que acaba por matar não ele mas um major seu guarda-costas.

De tão repisada a opinião culta do país conhece essa história e reconhece Getúlio Vargas, o ex-ditador então transformado em alvo da opinião conservadora. A Ultima Hora como único jornal a seu favor. O jornalista Carlos Lacerda, que odiava Getúlio e possivelmente o resto do mundo. O chefe da guarda, Gregório Fortunato. O crime da rua Tonelero que fez mais um desses heróis que são heróis por minutos em vida para se transformarem em ícones depois, o major Rubens Vaz. Tudo isso é conhecido por livros de memórias, romances, reportagens investigativas, entrevistas de descendentes e comemorações de partidos que se dizem legatários da herança de Getúlio.

O que é menos conhecido são os homens em torno de Getúlio e este é o ponto forte do livro. Euvaldo Lodi hoje só é conhecido como o nome de um instituto que arranja estágios em indústrias. Era um deputado riquíssimo, getulista, personagem importante do romance. O livro começa com ele, Benjamim Vargas e Lutero Vargas fazendo insinuações a Gregório sobre a conveniência de alguém matar Carlos Lacerda. Benjamim era irmão, Lutero era filho. A pesquisa detalhadíssima de Juremir nos faz saber que Lacerda era chamado de Corvo, e que o Corvochamava Lutero de Corno porque o mesmo se separara da mulher. Sabemos que a mulher era alemã. Que Lutero se achava menosprezado pelo pai. E que foi acusado de ser mandante direto do crime.
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Os personagens às vezes falam sobre o passado, ponto forte e fraco do livro. Fraco porque duas pessoas falando detalhadamente de um passado que é pelas duas por demais conhecido prejudica a verossimilhança. Forte por que por essas conversas ficamos sabendo por exemplo da relação reta como uma serpente entre Getúlio e o general Góis Monteiro, e que o filho deste morreu quando treinava para ser piloto militar.
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Além dos personagens históricos há também os fictícios. Tércio Ramos, biógrafo de Getúlio que já no governo FHC discute o passado com uma senhora estrangeira antigetulista. E Paulo Amato, o virtual agente duplo que atiça os homens de Getúlio a matarem Lacerda.

Mas o forte são os personagens reais e o livro recai no mesmo problema dos livros de história feitos por jornalistas, Eduardo Bueno, Fernando Morais e Zuenir Ventura à frente. A História como versão macro da Ilha de Caras: todos são ricos e famosos. Um assessor de Getúlio muito depois é pai do presidente do Banco Central, os demais são senadores, deputados, têm milhões na carteira. O homem e a mulher comum parecem ser penetras na História, se tanto.

Ou não: o povo entra no final. Getúlio vivo era cachorro morto, Getúlio morto é herói dos pobres. O livro de Juremir não conta essa transformação. Concentra-se em como chegou ao tiro, e sobre as pessoas amigas e inimigas e as meio um meio outro que o levaram a isso.
“Climério não responde. Afasta-se pela Hilário de Gouveia, na direção da praia. Passa por um Pontiac escuro. Lacerda e seu filho Sérgio, de 15 anos, depois de uma breve conversa com o motorista, descem do carro branco, estacionado no meio-fio, e não na rampa de acesso à porta do edifício, protegida por dois canteirinhos de flor, conforme as normas de segurança estabelecidas. Vêm de uma palestra no externato mariano São José, na Tijuca, onde o jornalista e candidato a deputado federal pela UDN repetira seus ferozes ataques aos Vargas.
- Esqueci a chave - diz Lacerda.
Pede a Sérgio que vá chamar o porteiro. O major-aviador Rubens Vaz, escalado para protegê-lo, num esquema de rodízio voluntário entre quatro amigos da FAB, despede-se. Alcino abotoa o jaquetão, avança uns vinte metros, atravessa a rua e, quando Carlos se dirige para a entrada da garagem, à direita do edifício Albervania, de número 180, dispara o seu Smith & Wesson 45. Passa da meia-noite. Já se está em 5 de agosto de 1954. O tiro ecoa nas ruas tranqüilas de Copacabana. Uma janela se abre. Lacerda dobra-se ligeiramente. Vaz, desarmado, contorna o pequeno veículo e enfrenta o pistoleiro. O combate é difícil Magro e escorregadio, Alcino tem a vantagem da arma na mão, mas Vaz é corajoso, forte, treinado, e tem a posição de ataque. Alcino dispara novamente. Caem. Mal se ergue, o pistoleiro atira mais uma vez. Outro tiro, vindo de outra posição, mais distante, da esquina da Hilário de Gouveia, arranca lascas do muro. Alcino foge para a Paula Freitas, que desemboca na Tonelero, no lado oposto ao da Hilário, uns trinta metros apenas do local de onde travou o seu combate com o homem de amarelo.
Há movimento na rua. Um carro aproxima-se. Carlos Lacerda ressurge e também atira, com seu 38, cano curto. Alcino já esta na Paula Freitas. Um guarda municipal, vindo do 4° DP, muito próximo dali, ordena que pare. O sangue ferve-lhe, embora se sinta gelado. Nada mais há a perder. O 45 pesa-lhe na mão. Derruba o policial com um tiro na coxa. A porta do táxi a sua espera, um Studebaker preto, não abre. Ele entra pelo vidro de trás e sussurra: “Pé na tabua." O motorista não o conhece, pois aguarda Climério, mas entende a situação e acelera. As balas do guarda Sálvio Romeiro atingem a traseira do veículo placa 5¬60-21. Nelson Raimundo acelera e eles se perdem no labirinto carioca. “

O texto de Juremir revela a retórica de uma época passional da imprensa e da política brasileiras ao resgatar os rastros da memória de uma galeria de personagens ainda vivos, passados mais de cinqüenta anos do tiro que rasgou as entranhas do Brasil - o pistoleiro de aluguel, a Bem-Amada, o secretário pessoal, a testemunha ocular da História, a 'espiã' alemã, o filho da vítima da rua Tonelero, os netos do presidente, a filha de Lacerda, o ajudante-de-ordens, as mulheres do coronel Bejo Vargas, os herdeiros políticos e os órfãos do caudilho.

GETÚLIO, do jornalista Juremir Machado da Silva, é o resultado de três anos de pesquisa em arquivos de documentos históricos, em jornais e em revistas. O autor leu mais de 150 livros sobre o político mais importante da história brasileira e entrevistou 73 pessoas direta ou indiretamente tocadas pela morte de Getúlio, em 24 de agosto de 1954. Juremir mostra Vargas na intimidade e na solidão do poder. Os rastros da memória em personagens como o pistoleiro de aluguel, a Bem-Amada, o secretário pessoal, a testemunha ocular da História, a espiã alemã, o filho da vítima, os netos do presidente, a filha do Corvo, o ajudante-de-ordens, as mulheres.

Autor: Juremir Machado da Silva.
Editora; BestBolso.
Gênero: politica e governo.
Paginas; 431.
Ano; 2007.

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Vozes da Legalidade.



O Rio Grande do Sul teve um papel determinante na história do Brasil do século XX. É inegável. A revolução de 1930, comandada por Getúlio Vargas, levou os gaúchos a amarrarem seus cavalos no obelisco da avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. Por 24 anos, Getúlio, dentro ou fora do poder, influenciou os destinos dos brasileiros. Morto, deixou seus herdeiros, entre os quais, João Goulart, que se tornou duas vezes vice-presidente do país. Em 1961, Jânio Quadros renunciou intempestivamente. No final de agosto de 1961, há 50 anos, começou em Porto Alegre uma primavera da liberdade. O governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, comandou a resistência ao golpe contra Jango. Requisitou a Rádio Guaíba, formou a Rede da Legalidade, distribuiu armas, mobilizou a população e, com discursos inflamados, garantiu a volta de Jango da China. Este livro é uma história de muitas vozes, vozes da Legalidade e da ilegalidade, a voz de Brizola, em tom maior, a voz de Jango, buscando uma solução pacífica, a voz de Carlos Lacerda, governador da Guanabara, o Corvo, o eterno golpista, incendiando o ânimo dos militares contra João Goulart, a voz do general Machado Lopes, comandante do III Exército, sediado em Porto Alegre, a voz do ministro da Guerra, Odylio Denys. Mas também a voz do renunciante, o esquisito Jânio Quadros, as vozes dos remanescentes, jornalistas, radialistas e políticos, todos muito jovens na época, que lembram a grande aventura com a justa nostalgia e o devido orgulho, a voz das ruas, a voz do Rio Grande, a voz do rádio, especialmente da Rádio Guaíba, que se tornou a cabeça de uma rede inusitada e vitoriosa. O livro é uma história de nomes de homens, de coadjuvantes e protagonistas, quatro civis e dois militares, uma história de vozes tonitruantes, vozes da era do rádio.


Autor: Juremir Machado da Silva.
Editora: Editora Sulina.
Gênero: Política, história do Brasil.
Paginas: 231.
Ano: 2014.

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