"Quem não interpreta o que lê, além de fazer alarde daquilo que julga ter assimilado, não entende o que diz."

O Evangelho Segundo Jesus Cristo.

"O filho de José e de Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo de sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo." Todos conhecem a história do filho de José e Maria, mas nesta narrativa ela ganha tanta beleza e tanta pungência que é como se estivesse sendo contada pela primeira vez. Nas palavras de José Paulo Paes: "Interessado menos na onipotência do divino que na frágil mas tenaz resistência do humano, a arte magistral de Saramago excele no dar corpo às preliminares e à culminância do drama da Paixão".


Que se estenda o tapete vermelho da literatura, está a passar por aqui a resenha de uma obra de um destes mestres imortais dos compêndios literários. 
Se O evangelho segundo Jesus Cristo fosse escrito por qualquer outro autor seria chover no molhado, afinal esta é com certeza uma das histórias mais conhecidas da marcha desgrenhada da humanidade. Mas Saramago tem no seu estilo, uma forma especial de contar histórias, narra acontecimentos com muita paixão e sensibilidade, o que me leva a acreditar que é nestes campos que se separam osgrandes dos pequenos.
A proposta do tão contestado livro é apresentar um Jesus mais humano e possível, o que causou e causa até hoje espanto, pois tal ato veio de um ateu declarado. Esta posição fica explícita neste trecho:
"O filho de José e de Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo do sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo". (Pág. 65).
Um fato interessante do livro é a pesquisa histórica e social que fica evidente em vários fragmentos do texto, por exemplo:
"Não tinha precisado Maria de pedir licença ao marido de viva voz, ele quem lho permitiu ou ordenou com um aceno de cabeça, que já se sabem serem supérfluas as palavras nestes tempos em que um simples gesto basta para matar ou deixar viver, como nos jogos do circo se move o polegar dos césares, apontando para baixo ou para cima". (Pág. 22).
Há de se destacar aqui o cuidado que Saramago teve ao falar de Deus, em nenhum momento teve por objetivo agredir a fé de alguém, tanto que o li tranquilamente, mas construiu cada diálogo do ser supremo carregando de ironia quanto à forma que as pessoas creem cegamente. Mas ele critica várias outras crenças comuns, como o destino neste trecho:
"Em algum lugar do infinito, ou infinitamente o preenchendo, Deus faz avançar e recuar as peças doutros jogos que joga, é demasiado cedo para preocupar-se com este, agora só tem de deixar que os acontecimentos sigam naturalmente o seu curso, apenas uma vez ou outra dará com a ponta do dedo mindinho um toque a propósito para que algum acto ou pensamento desgarrados não quebrem a implacável harmonia dos destinos". (Pág. 258).
Enfim, é um livro cheio daquilo que considero a melhor forma de humor, a ironia. Vale a pena ser lido, pensado e até mesmo amado. Sensibilidade e inteligência em mais um livro de Saramago.
Veja mais três citações que gostei do livro:
  1. Deus é tanto mais Deus quanto mais inacessível for… (Pág. 80)
  2. Mas, sendo o pão dos homens aquilo que é, uma mistura de inveja e de malícia, alguma caridade às vezes, onde fermenta um fermento de medo que faz crescer o que é mau e atabafar-se o que é bom, também sucedeu brigarem companhas e companhas, aldeias e aldeias, porque todos queriam ter Jesus só para eles, os outros que se governassem conforme pudesse. (Pág. 273).
  3. …Filho, a ocasião pode sempre criar uma necessidade, mas se a necessidade é forte, terá de ser ela a fazer a ocasião. (Pág. 265).

Autor: José Saramago.
Editora: Companhia de Bolso.
Gênero: Romance Português.
Paginas: 374. Ano: 2005.

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Por desejo do Autor, foi mantida a ortografia vigente em Portugal.









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