"Quem não interpreta o que lê, além de fazer alarde daquilo que julga ter assimilado, não entende o que diz."

Solo de Clarineta.

"Não esperem que estas memórias formem um documento histórico" adverte Érico Veríssimo. "Elas não têm a intenção de fazer nenhum perfil de minha época ou dos meus contemporâneos. São apenas uma história particular-uma história em tom de quase romance, mas que vai contada com a maior franqueza. É um livro sincero, que dedico especialmente àqueles que me têm lido durante todos esses anos."

"Perdi todo interesse pela personagem principal"
Vinha dizendo Érico Veríssimo para rebater a frequente recomendação de que contasse as suas memórias de escritor.
 Sempre às voltas com seu populoso mundo ficcional, o romancista talvez não tivesse tempo nem visse a melhor  oportunidade para uma cuidadosa retrospectiva de vida.
 Ou talvez mantivesse mesmo, por trás de evasivas, assim bem humoradas, o antigo hábito de ficar à sombra, de não se dar o justo valor adquirido: senhor de uma das mais fecundas carreiras de nossa história literária, não se tinha por suficientemente grande e autorizado para lembrar aos leitores os fatos relevantes da própria vida.
  Esse desprendimento, essa quase aspereza consigo mesmo é uma atitude realmente pertinaz em Érico Veríssimo, desde cedo um apaixonado pelo mundo ambiente, homem continuo e cada vez mais aberto exercício de preocupação social.
 Pouco de sua obra é confessional e fechado: sabe-se da opinião que têm não por manejo retórico da expressão, discursivo ou panfletário, mas sempre pelo todo criado, por um ideário amplo dando animação às páginas de cada livro, por uma temática vigorosa posta em função do pensamento.
 Seu ego envolve-se com os outros, duma forma humanística e sem qualquer dogmatismo ou intenções salvadoras.
 Érico Veríssimo jamais se permitiu assumir a cátedra. É sua forma de ser: liberal, mais político (no ótimo sentido) e eficaz que muitos doutrinadores, engajados seriamente nos valores do homem como homem, intelectual de repetidas respostas à força e à ruptura desses valores, Érico têm cultivado muitíssimo pouco a primeira pessoa e á fácil de compreender que a idéia de se colocar no centro do palco lhe tenha parecido incômoda- não tanto ao artista, que passaria de imaginoso construtor de caracteres a rememorador de fatos concretos (Érico, afinal, é notável narrador de viagens e excelente biógrafo). mas sobretudo à criatura como tal, habituado a olhar mais para a sociedade e seus membros.
 A poderosa fantasia, que já nos deu obras de raro fascínio, tinha de ceder passo à fria precisão; no relato das coisas havidas, o universo transforma-se em moldura e a humanidade reduz-se a um cast forçosamente coadjuvante.
 Um homem com a personalidade amável de Érico Veríssimo tinha de resistir às exigências desse gênero, as memórias.
 Mas a resistência de leitores e amigos seria ainda maior e acabaria vencendo.
 Alguém com um desempenho tão continuado e ilustre no seu ofício, com tão fundas relações com sua gente e seu tempo, teria muito a dizer, mesmo a contragosto ou com íntima timidez.
 Este livro( sabiam todos e sabia o autor) não podia de deixar de ser escrito; ao atingir o alto grau de escritor do povo, de certa forma o romancista contraiu a dívida de suas revelações.
 É quase um compromisso dos que realizam. A grandeza da obra, a ressonância dela no espírito nacional justifica, sanciona e exige mesmo esse levantamento esclarecedor do passado.
 Aqui está Solo de Clarineta, as esperadas memórias de Érico Veríssimo.

Autor: Érico Veríssimo.
Gênero; Memórias, Biografia.
Editora; Editora Globo.
Paginas; 1 Primeiro volume. 349.
Ano: 7 edição. 1976.

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