"As histórias deste livro vieram me chegando no cafezinho e nos gabinetes da Assembléia Legislativa gaúcha, na rua, em bares e por aí, ao longo de dez anos como repórter político.
Muitas eu testemunhei. A maioria me contaram.
Me perguntam se são verdadeiras. Sim, são verdadeiras quanto o permita sua versão. E versão é a verdade melhorada. Pelo menos para quem a conta. Enfim. vocês conhecem os políticos.
E eu não vim aqui para fazer discurso."
Tarso. Inverno de 1984.
Coletânea de : Causos, gafes,saídas rápidas, brancos,respostas prontas, mancadas,impropérios, besteiras,sacadas,bobagens e outras cometidas por nossos políticos, em tribunais, palanques, plenários, cafezinhos, praça publicas e em outros lugares.
Não é de hoje que os brasileiros estão procurando se entender. A chamada unidade nacional se processa por um sistema de justaposição de contrastes em todos os planos: econômico, social, político.
Nos aspectos culturais então nem se fala, mas como se escreve a respeito! E ai estamos nós, em grande rodeio de nordestinos crestados pela seca, de sulistas afogados em tantas cheias. Miséria e fome na paia grande do Atlântico, falta de lugar onde ficar em pé, casa e vida nas lonjuras das florestas imensas.
Verdade é que diferentes um pouco no norte e no sul, em sofrências e vivências, nos conhecemos, nos entendemos, e somos juntos um mesmo povo do Terceiro Mundo,à espera do sol.
Nesses campos de tantos Brasil, a literatura é uma pinguela salvadora.
Por ela varamos a terra tanta que bota longe um brasileiro do outro, com ela aproximamos as experiências, provamos mate no Norte e ficamos um pouco cangaceiros no Sul.
Este livro cumpre seu destino de contador fora do Rio Grande do Sul. Dizem que gaúcho é chegado a muitas coisas. Churrasco, cachaça, carreira de cancha reta, trova de galpão, jogos do osso e do truco, chinaredo, por aí....Tais preferências ocorrem às vezes de forma isolada. Mas se conhecem muitos causos de viventes que gostam de tudo um pouco e os mais exagerados que querem de mais pra mais.
Temos neste livro de Paulo de Tarso Riccordi uma rodada de causos, não necessariamente de galpão. Mas causos- um daqueles vícios rio-grandenses- bons de aplacar tanto de noite como de dia.
Um trabalho de leitura fácil mas de difícil fazer. Um ir recolhendo no mato, na cidade, na vila, as lembranças que as pessoas foram deixando, com suas histórias que são retratos.
O autor é um catador. Foi juntando gente, política, histórias de discursos e eleições, entreveros de palavras com estocadas finais de inteligência ferina.
A intenção do P.T.Riccordi bateiando lembranças tantas era juntá-las todas em um pano de fundo das nossas acontecências, costurado com humor.
Que o conseguiu vai o leitor descobrir logo ali, na primeira solitária gargalhada. Aquela que a gente dá assim de repente, num solavanco da leitura e olha pros lados pra ver se não tem vivente bispando. Quem anda rindo sozinho....
Fazer rir fazendo histórias é lavrar tento.
O autor consegue com facilidade do simples porque escolheu de tudo quanto catou o que a seu ver melhor nos serviria.
Acertou.
Glênio Peres.
Trechos:
"Posfácio"
Derrubado do poder em 1945 pelos ventos do pós-guerra, Getúlio Vargas retirou-se para sua fazenda Itu.
Lá recebeu a visita do amigo José Vecchio, que se queixava dos maus correligionários, que na hora do poder andavam na volta, mamando, e agora evitavam até cumprimentar.
Conhecedor dos homens Getúlio aconselha:
-Faz como eu, Vecchio. Não te mete em política.
"Família."
Constituinte de 1946, Henrique de Araújo, deputado pelo Partido Libertador, está na tribuna atacando o comunismo.
-Os comunistas objetivam a destruição da sociedade ocidental, cristã e democrática. É para esse desiderato atacam-na em sua célula básica: a família.
O médico e deputado pelo Partido Comunista, doutor Júlio Teixeira, pede um aparte:
-É evidente que não concordo com os conceitos de Vossa Excelência sobre o comunismo. Entretanto, devo dar um depoimento em vosso favor. Vossa Excelência é, de fato, um defensor da família. Aliás, gosta tanto de família que tem duas.
"Desprevenido"
O coronel Appel chega com o discurso escrito. É um comício em cinema. Fazendo figura, saúda de improviso os presentes e leva a mão no bolso para tirar o discurso, justo no momento em que se apagam as luzes.
Chateado, ele apela ao dirigente do comício: - Dê a palavra a outro. Vamos esperar que volte a luz. Não tive tempo de decorar o improviso....
" Patrimônio"
O vereador Mário Rosa foi escalado pelo PTB de Caxias do Sul para discursar na Câmara, no segundo aniversário da morte de Vargas.
Irritado, o padre Giordani, vereador do PDC, critica:
-Não explorem os mortos, Getúlio é passado. Fazer política é caminhar para o futuro.
Mário Rosa contra-ataca:
-No dia em que Vossa Excelência deixar de explorar Cristo, nós deixamos de explorar Vargas.
"Time"
Chegando pela primeira vez ao Rio Grande do Sul, onde se integraria à guerrilha, Edmur vinha muito atento às conversas no trem. Dois à sua frente falavam de futebol. Desceu em Porto Alegre já definido por qual clube passaria a torcer:
-Quando ouvi que havia um clube chamado Internacional, que usa camisetas vermelhas e que seu maior adversário por muito tempo não admitia negros, só tive uma escolha.
"Coalisão"
Assumindo o governo do Estado, em 1959, Leonel Brizola manteve no cargo o tesoureiro do Palácio- encarregado do dinheiro para as coisas diárias, gasolina, pequenas compras, viagens decididas na hora. Mas era gente do Partido Libertador e os petebistas reclamaram.
Brizola acomodou:- Deixem o homem. É honesto e eficiente. E se deixar de ser, botamos na rua com o maior barulho e desmoralizamos o partido dele. Agora, imagina se eu boto ali um dos nossos e ele mete a mão no dinheiro. Que problema!
"Festejos"
Bancário, Victório Trez não estava acostumado às coisas do cerimonial. em seu primeiro Carnaval como prefeito de Caxias do Sul viu-se no palanque atrapalhado com a chave da cidade nas mãos e um interrogativo Rei Momo à sua frente, à espera. Em pânico, perguntou baixinho a um assessor:
-O que faço com isso?
-Entregue ao Momo.
-Tá. E agora. o que eu gigo?
-Que entrega a cidade para tríduo. Deseje felicidades.
-Muito bem. A cidade é sua, seu Rei Momo. Boa festa e feliz Natal!
"Cautela"
O prefeito Victório Trez lê durante uma solenidade um discurso escrito por sua assessoria. Até que tropeça e troca a sílaba tônica de uma palavra. Um auxiliar o adverte:
-Olha o acento, prefeito.
Ele olha para trás, não entende. O assessor repete:
-Cuidado com o acento!
Novamente, Victório olha para trás, confiado. Por via das dúvidas, troca de cadeira.
"Férias"
Deputado de primeiro mandato, Pedro Simon tinha também que entrar na fila, ainda de madrugada, para conseguir inscrever-se para discursar a tarde.
Às 8h30 vem chegando o Bruno Segalla, que assumiria uma cadeira da ARS. Simon ironiza:
-Como é, Segalla? Eu, que sou burguês, estou aqui na fila desde as 5 da manhã. Mas tu, deputado-operário, chega na metade da manhã!...
-Pra vocês isso aqui é emprego. O meu trabalho é na porta da fábrica. Estou aqui de férias.
"Cartaz"
Miguel Muratori- prefeito de Caxias do Sul na década de 30- obrigou-se a mandar retirar da frente da Prefeitura a placa que encomendara dois dias antes a um mau autor: "É proibido amarrar animais aqui para não perturbar os que estão lá dentro."
"Explicadinho"
Campanha eleitoral em São Francisco de Assis. O vereador petebista João Batista Firmo (o "Senador") discursa, resumindo as realizações da administração municipal de seu partido:
-...Construímos o hospital municipal, o equipamento com raios-X, três salas operatórias, microscópios....
Pelas caras, percebeu que o povão não entendera.
- Microscópio...eu explico, Microscópio é um aparelho que se usa para olhar os micróbios.
Pior, ainda.
- Micróbios...micróbios é um bichinho pequeninho, muito pequeninho, mas tão pequeninho que a gente não enxerga nem um montão deste tamanho.
Título:Tenho Dito!
Subtítulo: As histórias mais engraçadas dos nossos políticos.
Autor: Paulo de Tarso Riccordi. (Jornalista, Repórter político, radialista) nasceu em Bagé.
Editora; Tchê! Comunicações.
Gênero:Anedotas políticas.
Paginas; 128.
Ano:1984.
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