"Quem não interpreta o que lê, além de fazer alarde daquilo que julga ter assimilado, não entende o que diz."

Carcereiros

Uma cadeia obedece lei e códigos de conduta próprios, e um ténue equilíbrio de forças mantém a ordem entre os dois lados das grades. De um lado, os presos, frequentemente apilhados em condições subumanas, esquecidos pelo poder público.
 De outro, os agentes responsáveis por vigia-los.
 Se no best-seller Estação Carandiru Drauzio abordou o mundo dos detentos, neste Carcereiros, são os funcionários das prisões que têm suas histórias contadas.
 Nos mais de vinte anos trabalhando no sistema penitenciário, Drauzio conheceu dezenas de agentes, tornaram-se amigos próximos, passaram a se reunir regularmente em um botequim de frente para o Carandiru, e foi essa convivência que pôs o autor em contato com as histórias aqui narradas, que expõem de dentro o funcionamento dos presídios brasileiros.
Acompanhamos, assim, uma rebelião pelos olhos de quem tenta contê-la. A  descoberta de que um colega está do lado dos bandidos.
 Um momento de solidariedade, outro de egoísmo. Um ato heroico e outro de covardia. Entramos em contato com o cotidiano dos carcereiros e as situações desconcertantes impostas pelo oficio, que eles resolvem com jogo de cintura e, não raramente, com humor.
 O que emerge é um retrato franco de um mundo totalmente desconhecido para quem está de fora.
 Drauzio também fala de sua própria atividade como médico do sistema penitenciário: das frustrações, dos acertos e, sobretudo, da facilidade em conciliar uma vida tão imersa nesta realidade com a de médico particular, apresentador de programas de divulgação cientifica, pesquisador de plantas, escritor e pai de família.
 Se há algo de comum a essas vidas - Carcereiros, Médico, Detentos- é a dimensão humana que nunca escapa aos relatos do autor.
 Depois de 23 anos frequentando cadeias, não faz sentido especular como eu seria sem ter vivido essa experiência: o homem é o conjunto dos acontecimentos armazenados em sua memória e daqueles que relegou ao esquecimento. Apesar da ressalva, tenho certeza de que seria mais ingênuo e mais simplório. A maturidade talvez não me tivesse trazido com tanta clareza a percepção de que entre o bem e o mal existe uma zona cinzenta semelhante àquela que separa os bons dos dos maus, os generosos dos egocêntricos.
 Conheceria muito menos meu país e as grandezas e mesquinharias da sociedade em que vivi, teria aprendido menos medicina, perdido as demonstrações de solidariedade a que assisti, deixa-do de ver a que níveis pode chegar o sofrimento, a restrição de espaço, a dor física, a perversidade, a falta de caráter, a violência contra o mais fraco e o desprezo pela vida dos outros. Faria uma ideia muito mais rasa da complexidade da alma humana.

Trilogia:
 http://marcelotodeschini.blogspot.com.br/2009/08/estacao-carandiru.html
https://marcelotodeschini.blogspot.com.br/2018/02/prisioneiras.html


Autor: Drauzio Varella.
Editora: Companhia Das Letras.
Gênero: Prisão,
Páginas:226. Ano: 2012.

Nenhum comentário: