Prefácio
Esta história começa num velório que chegou a me comover por ocasião da releitura crítica que acabo de fazer-lhe. A verdade é que tenho um fraco pelos velórios. Aparece um - rapidamente descrito- em "Clarissa" outros iqualmente breves em "Música ao Longe" e " Caminhos Cruzados", mas o mais minuncioso e sombrio de todos é este de "Um Lugar ao Sol". Não faz muito descrevi a noite em que se velou o cadáver de D. Emerenciana Amaral em "O Retrato", e ainda me lembro, com o vago pavor, dos olhos abertos do feio defunto que em vida se chamou Agnaldo Silva e andou a fazer das suas através das páginas de "A Teiniaguá", em "O Continente". Creio que em todos os meus romances há sempre um velório ou pelo menos alguém que recorda velórios a que esteve presente. Entrego a interpletação dessa tendência aos psicanalistas, que saberem explicar tudo ou quase tudo. ( Quanto ao romancista, uma das regras principais do seu jogo é nunca explicar demais).
Um Lugar ao Sol é um livro desigual, cheio de tumultuosas demasias. Semelha uma casa feita sem plano e à qual se fossem acrescentando peças ao sabor da necessidade do momento- tudo sem levar em conta a beleza e a harmonia do conjunto. Esse defeito talvez tenha vindo do fato de haver o autor desejado reunir num mesmo livro personagens de histórias anteriores separadas no espaço. Desse modo, o presente romance é um estuário. Amaro, que apareceu em Clarissa, torna a encontrar a heroína dessa novela e vem a conhecer Vasco, que o leitor viu pela primeira vez em Música ao Longe. E aos três acabam travando relações com Fernanda e Noel, personagens de Caminhos Cruzados - isso para não falar em figuras de menor importância. O preço dessa reunião foi um romance desconjuntado.
É em Um Lugar ao Sol que aparece pela primeira vez uma das minhas personagens mais queridas o Dr. Seixas, considero o elemento humano que povoa este livro o melhor de toda minha obra, com exceção talvez de "O Tempo e o Vento". Escrevi sobre essa gente com tanta afeição e interesse, com tamanha fé na sua existência, que acabei cometendo o pecadilho de todo o pai vaidoso, para o qual tudo quanto os filhos dizem ou fazem merece ser contado ao mundo, o livro me saiu numa linguagem descurada e cheio de excrescências. Um exemplo disso é aquele passeio de Vasco pelas ruas da cidade, atento a todas as imagens, sons, cheiros e ambientes. tem-se a impressão de que o rapaz anda a burlequear através de Nova Yorque ou Xngai, e não apenas daquela provinciana Porto Alegre de 1936.
O leitor terá observado como as personagens de Um Lugar ao Sol lutam com dificuldade financeiras e como se preoucupam com as suas dívidas, não precisarei repetir que tudo isso é reflexo da situação econômica e das preocupações materiais do próprio autor, o qual tendo visto a família acrecida de dois menbros entre 1935 e 1936- não atinara ainda com um meio de aumentar a renda mensal. Embora discutíveis do ponto de vista puramente estético, a maioria das cenas de Um Lugar ao Sol me parecem muito boas como experiência humana brasileira e como flagrantes da vida cotidiana de nossa classe média baixa.
Repito que falta ao livro unidade- defeito que só poderia ser eliminado ou pelo menos atenuado se o autor se dispusesse a reescrever por completo a história, o que seria fútil e absurdo, pois me parece que, tanto no mundo real como no imaginário, a vida das pessoas não pode ser passada a limpo.
Apesar das muitas correção que fiz para esta nova edição, sua linguagem está ainda longe do que deveria ser. O que, porém, salva o livro dum malogro total é seu comovido tom de sinceridade que dá às pessoas e aos episódios como que um selo de autencidade, coisa que nunca depende apenas do estilo ou da técnica.
Que o romance siga o seu destino! Os deformados também têm o direito de viver.
Erico Verissimo. 1963.
Autor: Erico Verissimo.
Editora: Globo.
Gênero: Romance.
Págnas:412. Ano: 1997.
****
Esta história começa num velório que chegou a me comover por ocasião da releitura crítica que acabo de fazer-lhe. A verdade é que tenho um fraco pelos velórios. Aparece um - rapidamente descrito- em "Clarissa" outros iqualmente breves em "Música ao Longe" e " Caminhos Cruzados", mas o mais minuncioso e sombrio de todos é este de "Um Lugar ao Sol". Não faz muito descrevi a noite em que se velou o cadáver de D. Emerenciana Amaral em "O Retrato", e ainda me lembro, com o vago pavor, dos olhos abertos do feio defunto que em vida se chamou Agnaldo Silva e andou a fazer das suas através das páginas de "A Teiniaguá", em "O Continente". Creio que em todos os meus romances há sempre um velório ou pelo menos alguém que recorda velórios a que esteve presente. Entrego a interpletação dessa tendência aos psicanalistas, que saberem explicar tudo ou quase tudo. ( Quanto ao romancista, uma das regras principais do seu jogo é nunca explicar demais).
Um Lugar ao Sol é um livro desigual, cheio de tumultuosas demasias. Semelha uma casa feita sem plano e à qual se fossem acrescentando peças ao sabor da necessidade do momento- tudo sem levar em conta a beleza e a harmonia do conjunto. Esse defeito talvez tenha vindo do fato de haver o autor desejado reunir num mesmo livro personagens de histórias anteriores separadas no espaço. Desse modo, o presente romance é um estuário. Amaro, que apareceu em Clarissa, torna a encontrar a heroína dessa novela e vem a conhecer Vasco, que o leitor viu pela primeira vez em Música ao Longe. E aos três acabam travando relações com Fernanda e Noel, personagens de Caminhos Cruzados - isso para não falar em figuras de menor importância. O preço dessa reunião foi um romance desconjuntado.
É em Um Lugar ao Sol que aparece pela primeira vez uma das minhas personagens mais queridas o Dr. Seixas, considero o elemento humano que povoa este livro o melhor de toda minha obra, com exceção talvez de "O Tempo e o Vento". Escrevi sobre essa gente com tanta afeição e interesse, com tamanha fé na sua existência, que acabei cometendo o pecadilho de todo o pai vaidoso, para o qual tudo quanto os filhos dizem ou fazem merece ser contado ao mundo, o livro me saiu numa linguagem descurada e cheio de excrescências. Um exemplo disso é aquele passeio de Vasco pelas ruas da cidade, atento a todas as imagens, sons, cheiros e ambientes. tem-se a impressão de que o rapaz anda a burlequear através de Nova Yorque ou Xngai, e não apenas daquela provinciana Porto Alegre de 1936.
O leitor terá observado como as personagens de Um Lugar ao Sol lutam com dificuldade financeiras e como se preoucupam com as suas dívidas, não precisarei repetir que tudo isso é reflexo da situação econômica e das preocupações materiais do próprio autor, o qual tendo visto a família acrecida de dois menbros entre 1935 e 1936- não atinara ainda com um meio de aumentar a renda mensal. Embora discutíveis do ponto de vista puramente estético, a maioria das cenas de Um Lugar ao Sol me parecem muito boas como experiência humana brasileira e como flagrantes da vida cotidiana de nossa classe média baixa.
Repito que falta ao livro unidade- defeito que só poderia ser eliminado ou pelo menos atenuado se o autor se dispusesse a reescrever por completo a história, o que seria fútil e absurdo, pois me parece que, tanto no mundo real como no imaginário, a vida das pessoas não pode ser passada a limpo.
Apesar das muitas correção que fiz para esta nova edição, sua linguagem está ainda longe do que deveria ser. O que, porém, salva o livro dum malogro total é seu comovido tom de sinceridade que dá às pessoas e aos episódios como que um selo de autencidade, coisa que nunca depende apenas do estilo ou da técnica.
Que o romance siga o seu destino! Os deformados também têm o direito de viver.
Erico Verissimo. 1963.
Autor: Erico Verissimo.
Editora: Globo.
Gênero: Romance.
Págnas:412. Ano: 1997.
****
Um comentário:
Grande Marcelo,
fico feliz que está conosco na Campanha de Combate ao Analfabetismo Literário.
Esperamos que todos compreendam a importância desta campanha.
Abraço meu caro.
http://sejaoleitor.blogspot.com/
Postar um comentário