"Quem não interpreta o que lê, além de fazer alarde daquilo que julga ter assimilado, não entende o que diz."

A Vida Quer é Coragem.

É fácil localizar em qualquer antologia os versos de um dos poemas mais conhecidos de Cecília Meireles, aquele que diz "aprendi com as primaveras a deixar-me cortar/ e a voltar sempre inteira". A poetiza é uma das autoras prediletas de Dilma Rousseff, e os versos talvez sejam a síntese perfeita de sua trajetória.
São muitos os cortes na vida da primeira presidenta do Brasil. Um dos mais profundos, a perda do pai, imigrante búlgaro que adotou o Brasil como pátria, privou-a aos 15 anos, de seu "supersuperego" e mentor intelectual. O segundo corte aponta para a rua Martins Fontes, seis anos depois, em São Paulo, onde a jovem militante da VAR-Palmares é presa ao "cobrir um ponto" (no jargão da militância)
Um corte rápido desemboca na rua Tutóia, porões do DOI-Codi, onde é submetida a 22 dias ininterruptos de sessões de tortura. A sequência revela a jovem levada as pressas para o hospital Central do Exercito por conta de uma hemorragia que não cessa. Um corte abrupto para o DOPS do fundão e de lá para o presídio da avenida Tiradentes. Por dois anos e dez meses, Vanda, Luíza e Estela tiveram suas vidas cortadas para voltar, inteiras, despidas do codinome, a reabitar sua única pele, a de Dilma Rousseff.
Ao deixar a cadeia, a mineira de Belo Horizonte se torna um pouco a gaúcha de Porto Alegre. Ao lado do marido, Carlos Araújo, inicia a trajetória que fará dela a primeira mulher a ocupar cargos-chave na prefeitura de Porto Alegre e no governo do Rio Grande do Sul. Primeiro o PDT, de Brizola; depois o PT, de Lula.
Nos governos do presidente Lula, torna-se a primeira mulher a ocupar o Ministério de Minas e Energia e a chefia da Casa Civil, A eficiência como gestora faz dela a mãe do PAC e impulsiona a candidatura presidencial sob a batuta do presidente mais popular da História brasileira. Um corte a mais, agora para a candidata à presidência que acaba de receber por telefone o diagnóstico de câncer. "A vida não é fácil. Nunca foi", desabafa.
Menos de dois anos se passam até a última cena: Dilma e Lula, no alto da escada que leva ao cinema do Planalto, "Deus te Abençoe", havia acabado de ouvir do presidente operário. "Em que espelho ficou perdida a minha face?" talvez tenha se perguntado, ainda na trilha de Cecília Meireles, naqueles instantes que se seguiram à vitória.
No recorte de Ricardo Batista Amaral, é possível que a própria Dilma encontre hoje respostas diferentes para a pergunta tão carregada de significados. Talvez sua vitória seja também a de tantos companheiros mortos, entre eles Beto, Dodora e Lara. São faces que nunca deixarão o espelho da memória. De alguma forma, a História estava reescrita naquele 31 de Outubro de 2010. Os vencidos haviam vencido, afinal. Até ali, a vida não foi fácil. Nunca foi. O texto elegante e ágil de Amaral, quase um roteiro-biografia, é também um ensaio sobre um país que, assim como a personagem central da obra, se deixou cortar até se revelar novamente inteiro.
A trajetória pessoal da presidenta Dilma e a história do Brasil moderno se entrelaçam numa grande reportagem. O suicídio de Getúlio Vargas, quando ela era criança. O golpe de 64, quando se aproxima das organizações de esquerda. A clandestinidade, prisão e tortura na ditadura militar. A luta pela anistia e pela redemocratização. O encontro de Dilma com Leonel Brizola, na fundação do PDT, e sua aproximação de Lula durante o apagão (FHC) e na campanha eleitoral de 2002. A chefia da Casa Civil, que assume em plena crise do mensalão. Os bastidores da reeleição de Lula, a luta contra o câncer e a vitória nas eleições de 2010: uma história de resistência, esperança e coragem.

"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, apertas e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem."
                                                                                                João Guimarães Rosa.

Autor: Ricardo Batista Amaral.
Editora: Primeira Pessoa.
Gênero: biografia Dilma Rousseff
Paginas: 304. Ano: 2011.

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